(Festa de São Vicente de Paulo)
“A caridade não diz respeito somente ao amor para com Deus, mas ainda a caridade para com o próximo pelo amor de Deus, reparem bem: “pelo amor de Deus”. E este amor é um acontecimento tão grande que nenhum humano pode compreendê-lo; é preciso que as luzes do alto nos elevem para nos fazer compreender a grandeza, a profundidade e a excelência deste amor (São Vicente de Paulo) (1).
Na ampla dimensão das festividades de São Vicente de Paulo é oportuno refletirmos a respeito dos seus ensinamentos, sobretudo no relacionamento que mantinha com os Pobres. Assim, os vicentinos poderão redescobrir nas palavras do “Patrono da SSVP” as novidades de suas lições, pois comemorar a história de São Vicente de Paulo e festejar sua vida é vivenciar o Evangelho, e ao mesmo tempo, celebrar o seguimento a Jesus Cristo.
Desse modo, podemos conduzir a nossa reflexão, alicerçada em três pilares dos sábios pensamentos de São Vicente de Paulo, quais sejam: vocação – evangelização – salvação.
Então, recorrendo aos escritos de São Vicente temos as três abordagens:
1ª. Vocação: “Nesta vocação, vivemos de modo muito conforme a Nosso Senhor que, segundo parece, quando veio a este mundo, escolheu como tarefa principal assistir os Pobres e cuidar deles” (2).
Eis aí a centralidade da Vocação Vicentina, isto é, “assistir os Pobres e cuidar deles”. E nessa perspectiva, os Vicentinos têm a possibilidade de alargar os horizontes quanto a prática da caridade, visto que, se cumprirmos fielmente a lição de Vicente de Paulo, “vivemos de modo muito conforme a Nosso Senhor”, ou seja, o ápice da vocação escolhida por Deus para nossas vidas. Portanto: “Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a levardes uma vida digna da vocação que recebestes (…)” (Ef 4, 1).
2ª. Evangelização: “A evangelização dos Pobres é um ofício tão importante que foi, por excelência, o ofício do Filho de Deus. A Ele nós nos aplicamos como instrumentos dos quais se serve o Filho de Deus que continua a fazer no céu o que fez na terra” (3).
Atualmente, sabemos que o engajamento na Sociedade de São Vicente de Paulo não se limita somente em “assistir e cuidar dos Pobres”, mas pelo contrário, se expande por múltiplos caminhos e uma dessas trilhas promissoras é a missão de evangelizar os Pobres. Por isso, seguindo os ideais de Frederico Ozanam de “aliviar as misérias corporais e espirituais dos indigentes” está incluso o dever dos Vicentinos “como instrumentos dos quais se serve o Filho de Deus”, de propagarem o Evangelho – “pão espiritual” – junto aos socorridos pelas Conferências Vicentinas. Portanto: “Jesus disse-lhes: “Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 15-16).
3ª. Salvação: “Afeiçoai-vos muito aos Pobres, eu vos suplico, e tende muito cuidado em ensinar-lhes as verdades necessárias à salvação” (4).
A salvação é o desejo de todos os cristãos, dentre os quais, dos empobrecidos, como não poderia deixar de ser. Por essa razão, devemos levar à risca o pedido de São Vicente, que insistia: “eu vos suplico, e tende muito cuidado” com os Pobres. Tal clamor é atualíssimo, porque ensinar as “verdades necessárias” para que os “pequenos de Deus” se salvem, também é uma exigência da vida vicentina. Por causa disso, temos de concentrar todos os esforços numa autêntica catequese dirigida aos assistidos, principalmente devido a existência da pior das formas de pobreza, que é a “ausência de Deus”. Porém, para sermos exitosos nessa sublime tarefa é indispensável nos prepararmos – com simplicidade e pedindo a intercessão do Espírito Santo – na intenção de anunciarmos aos Pobres os caminhos da salvação. Portanto: “Manifestou-se, com efeito, a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (Tt 2, 11).
Após a meditação dos três pronunciamentos feitos por São Vicente de Paulo podemos – e temos – de colocar em prática o aprendizado que obtivemos das reflexões. Assim, devemos “abrir nossos corações” para vivermos uma nova experiência na jornada vicentina, qual seja: Contemplar os Pobres.
O motivo para tal proposição ocorre, em virtude da realidade que vivenciamos no exercício da vocação vicentina, que ao longo do tempo corre o risco de “perder o sentido” e passarmos a nos relacionar com os assistidos sem “aquele” fervor e encantamento que marcaram – definitivamente – as nossas vidas “daquele” anseio ardoroso de promover os empobrecidos, oferecendo a todos o alívio de suas necessidades corporais e espirituais, como nos deu a conhecer São Vicente de Paulo, através de seus edificantes e perenes exemplos, que sempre nortearam as vocações dos diversos ramos da Família Vicentina.
Então, para resgatarmos o sentido essencial de nossa vocação vicentina – caso tenhamos perdido – vale a pena experimentarmos a proposta de Contemplar os Pobres.
Como?
Compreendendo que contemplar significa: “olhar fixamente; olhar com muita admiração; observar com muita atenção e cuidado; atribuir consideração e reconhecimento a alguém; oferecer alguma coisa a alguém como prova de (seu) reconhecimento” (5).
Em seguida, nos questionarmos sobre os seguintes aspectos:
— Olhamos fixamente para os Pobres?
— Olhamos com muita admiração para os Pobres?
— Observamos com muita atenção e cuidado para os Pobres?
— Atribuimos consideração e reconhecimento aos Pobres pelo que fazem por nós?
— Oferecemos aos Pobres a nossa gratidão como prova de nosso reconhecimento por todo e tanto bem que fazem pelos Vicentinos?
As respostas para tais indagações são de “foro íntimo” e cada Consocia ou Confrade Vicentino deve guardar sob sigilo suas conclusões. Porém, se apenas uma das respostas tiver sido “NÃO”, é o tempo propício para mudarmos, pois como São Vicente de Paulo nos ensinou: “Quando a caridade se faz necessária como o ato de assistir os membros sofridos de Nosso Senhor, ela se torna prioridade em relação a qualquer outra devoção. Qual é seu primeiro ato? Que atividade realiza um coração inflamado por ela? Fazer a todos e a cada um o bem que gostaríamos que fizessem a nós em igual situação. É nisto que consiste a essência da caridade. E o primeiro ato ilumina o entendimento; iluminado, o entendimento forma a estima e esta coloca em ação o amor. A caridade faz com que a pessoa que ama se convença da honra e da afeição que deve ao próximo, que se encha da caridade e que testemunhe esta caridade com suas palavras e com suas obras” (6).
No entanto, além das afirmações feitas por São Vicente de Paulo (acima), é imprescindível considerar que: “As múltiplas chamadas que o Senhor nos dirige para que vivamos a todo o momento a caridade (Cfr. Jo 13, 34-35; 15, 12), devem estimular-nos a segui-Lo de perto com atos concretos, procurando oportunidades de ser úteis, de proporcionar alegrias aos que estão ao nosso lado, sabendo que nunca progrediremos suficientemente nessa virtude. Ao mesmo tempo, consideremos hoje na nossa oração todos esses aspectos em que seria fácil faltarmos à caridade se não estivéssemos vigilantes: juízos precipitados, críticas negativas, faltas de atenção para com os outros por estarmos excessivamente preocupados com os nossos assuntos, esquecimentos que são fruto do desinteresse ou do menosprezo… (7).
Mas, igualmente relevante é levarmos em conta que: “A caridade leva-nos a compreender, a desculpar, a conviver com todos, de maneira que aqueles que…” (8) “(…) pensam ou atuam de um modo diferente do nosso em matéria social, política ou mesmo religiosa, devem ser objeto também do nosso respeito e do nosso apreço […]. Esta caridade e esta benignidade não se devem converter de forma alguma em indiferença no tocante à verdade e ao bem; mais ainda, a própria caridade exige que se anuncie a todos os homens a verdade que salva. Mas é necessário distinguir entre o erro, que sempre deve ser evitado, e o homem que erra, pois este conserva a dignidade da pessoa mesmo quando está dominado por ideias falsas ou insuficientes em matéria religiosa” (9).
Entretanto, conhecemos o quotidiano da vida vicentina e temos a percepção de que a nossa vocação de serviço aos Pobres é uma virtude em contínuo aprimoramento, desde que, não deixemos o nosso entusiasmo em servir ao próximo cair na estagnação, porque a vocação vicentina é – seguramente – um itinerário à santidade. E a respeito dessa singularidade – de ser santo – escreveu o Papa Francisco: “Ser santo não é um privilégio de poucos, mas uma vocação para todos” (10).
Assim, frente a expectativa de alcançarmos a santidade por meio da prática da caridade – se vivida de modo exemplar – obteremos a convicção de que: “É um grande consolo ver que Deus se mostra a nós como verdadeiro Pai, e nos enche de alegria saber que essa será sempre sua resposta, porque a essência de seu ser é ser amor-caridade” (1Jo 4,8) (11).
Por fim, é válido destacar que o fato notável da constância na prática de Contemplar os Pobres qualifica e distingue, sobremaneira os Vicentinos como “cristãos de corações grandes”, que – certamente – fascinam os olhos de Deus, a exemplo do belíssimo escrito, que enfatiza: “O coração do cristão tem de ser grande. A sua caridade, evidentemente, deve ser ordenada e, portanto, deve começar pelos mais próximos, pelas pessoas que, por vontade divina, estão à sua volta. No entanto, o seu afeto nunca pode ser excludente ou limitar-se a âmbitos reduzidos. O Senhor não quer um apostolado de horizontes tão estreitos. A atitude do cristão, a sua convivência com todos, deve ser como uma generosa torrente de carinho sobrenatural e de cordialidade humana, que banha tudo à sua passagem” (12).
Que Nossa Senhora nos ampare para jamais caírmos na mesma situação descrita na advertência que São João nos faz: “Se alguém que possui bens da terra, vê seu irmão sofrer necessidade e lhe fecha seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (1Jo 3, 17).
“Quanto mais uma pessoa é humilde, tanto mais será caridosa com o próximo. O paraíso das comunidades é a Caridade; a Caridade é a alma das virtudes e é a humildade que as atrai e as conserva” (13).
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
*Colaboração: Confrade João Marcos Andrietta
Referências:
- SVP (l. fr. C. VIII, 183).
- SVP falando aos Missionários sobre a vocação da Congregação da Missão.
- SVP – Coste XI, 393.
- SVP às Filhas da Caridade – Coste, IX, 253.
- Dicionário Aurélio.
- SVP (l. fr. C. VIII, 183).
- Francisco Fernandez Carvajal, Obra “Falar com Deus” (7 volumes), Editora Quadrante.
- Idem.
- Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, 28.
- “365 dias com o Papa Francisco”; Autor: Pe. Eliomar Ribeiro, SJ; Editora Loyola; 205 páginas, 1ª. Edição, 2016.
- Documento das Equipes de Nossa Senhora (ENS) – Capítulo 6, Misericórdia e Perdão, Sinais de Amor, 2019.
- Francisco Fernandez Carvajal, Obra “Falar com Deus” (7 volumes), Editora Quadrante.
- SVP – Coste, XI, 2.
Abreviaturas:
— SVP: São Vicente de Paulo.
— SSVP: Sociedade de São Vicente de Paulo
Confrade João Marcos Andrietta (59 anos) pertence à Conferência Nossa Senhora da Imaculada Conceição (Salto-SP)