Hoje, 14 de dezembro é o Dia Nacional de Combate à Pobreza, um chamado urgente para refletirmos sobre as diferentes dimensões da pobreza em nossos tempos. Inspirados pelos ensinamentos de São Vicente de Paulo, que dedicou sua vida aos mais necessitados, somos convidados a enxergar a pobreza para além da falta de recursos materiais. Hoje, novas pobrezas emergem em nossa sociedade, exigindo compaixão, acolhimento e ações concretas.
A solidão, a angústia e o abandono são formas de pobreza cada vez mais presentes, mesmo entre aqueles que não enfrentam dificuldades financeiras. No mundo contemporâneo, relações virtuais frequentemente substituem laços reais, tornando a convivência familiar e as amizades cada vez mais frágeis. Segundo dados do IBGE, em 2023, o Brasil registrou um aumento no número de pessoas que vivem sozinhas, reflexo de transformações sociais que, muitas vezes, levam ao isolamento emocional.
Um exemplo recente que ilustra essa realidade foi a comoção causada pela história de um idoso em São Paulo encontrado vivendo em completo abandono em seu apartamento. Apesar de estar em um bairro de classe média, ele havia sido esquecido pelos vizinhos e até mesmo por familiares, vivendo em condições degradantes. Essa situação evidencia que a pobreza não é apenas uma questão econômica, mas também relacional e emocional.
Outro caso emblemático foi o das famílias atingidas pelas enchentes em Santa Catarina, que não apenas perderam bens materiais, mas enfrentaram o trauma psicológico de recomeçar. Muitos relataram sentir-se desamparados em meio à destruição, carentes de uma rede de apoio emocional. Esses episódios revelam que, em tempos de crise, a pobreza também pode significar ausência de suporte humano.
A pobreza, que por séculos foi vista por um prisma tradicional — a falta de recursos materiais, alimentação e abrigo — assume hoje formas mais complexas e silenciosas, que passam muitas vezes despercebidas aos olhos da sociedade. A pobreza não é mais apenas uma questão de carência de bens, mas também de oportunidades, saúde, dignidade e, principalmente, da perda da esperança. Em um mundo cada vez mais globalizado e interconectado, a desigualdade social adquire novas dimensões, tornando-se mais difusa, invisível e, paradoxalmente, mais difícil de combater.
Entre as novas formas de pobreza, uma das mais impactantes é a pobreza digital. Milhões de pessoas ao redor do mundo, mesmo vivendo em áreas urbanas desenvolvidas, estão excluídas do acesso à internet e às tecnologias digitais, essenciais para a participação plena na sociedade moderna. Estudantes sem acesso a dispositivos e conexões de qualidade ficam à margem do processo educacional. Trabalhadores perdem oportunidades de emprego porque não conseguem acessar plataformas de emprego online ou participar de cursos e treinamentos virtuais. Em um mundo onde tudo parece estar ao alcance de um clique, a falta de conectividade torna-se uma barreira invisível, mas imensurável.
Além disso, há a pobreza emocional e psíquica, que também tem se intensificado nas últimas décadas. Em um cenário onde as relações são cada vez mais mediadas por telas, a solidão cresce silenciosamente. O aumento da depressão, ansiedade e outras doenças mentais é alarmante. O ser humano, antes cercado por uma rede de apoio social tangível, hoje se vê desconectado, isolado, mesmo entre os que estão fisicamente próximos. A pobreza emocional não se vê, não se sente como a falta de comida ou de um teto, mas corrói as bases da sociedade de maneira profunda. Muitos se veem presos a um ciclo de desespero, sem a rede de suporte que deveria ser oferecida por familiares, amigos ou instituições.
E não podemos esquecer da pobreza geracional, aquela que persiste durante gerações. Famílias que, apesar de seus esforços, nunca conseguem romper o ciclo de desigualdade social. Crianças que nascem em contextos de vulnerabilidade, sem acesso a uma educação de qualidade, sem infraestrutura básica, e que, assim como seus pais, enfrentam o desafio de uma vida inteira para garantir o mínimo de dignidade. O peso da história pesa sobre seus ombros, criando um labirinto difícil de escapar. As estatísticas são cruéis: a pobreza geracional continua a ser um dos maiores obstáculos ao progresso de uma sociedade que se diz igualitária.
A pobreza também se manifesta no campo da saúde. Não estamos falando apenas da falta de acesso a hospitais ou medicamentos, mas da escassez de cuidados preventivos; do acesso restrito à saúde mental de qualidade e da incapacidade de muitas comunidades de enfrentarem problemas como a obesidade, a hipertensão e outras doenças crônicas devido à falta de orientação, educação e, em muitos casos, alimentos saudáveis. A pandemia da Covid-19 deixou isso muito claro: a vulnerabilidade das populações mais pobres se intensifica em tempos de crise sanitária, social e econômica.
O que está em jogo não é apenas a escassez material, mas a perda da dignidade humana. Vivemos tempos em que, ao lado do progresso tecnológico e da concentração de riqueza, a desigualdade também se aprofunda, e muitas vidas se tornam invisíveis para a sociedade que se volta cada vez mais para o consumo e para o individualismo. Mas é justamente nesse momento que devemos refletir sobre o papel que desempenhamos na construção de um futuro mais justo.
A pobreza, em suas novas formas, exige mais do que políticas públicas; ela exige um olhar atento, uma atitude coletiva de solidariedade e empatia. É necessário pensar em soluções inovadoras que ultrapassem as fronteiras do assistencialismo e promovam a autonomia e a dignidade de quem vive essa realidade. Mais do que nunca, é preciso entender que, em um mundo interconectado, a verdadeira riqueza está na capacidade de cuidar uns dos outros.
Essas novas pobrezas nos desafiam a olhar para o próximo com mais empatia. Na visão de São Vicente de Paulo, a caridade não se limita a alimentar o faminto ou vestir o necessitado, mas também a curar as feridas da alma. A falta de convivência familiar, amizades e suporte emocional são clamores silenciosos que ignoramos muitas vezes.
Como sociedade, é urgente recuperar o sentido da comunidade e do acolhimento. Ações como o fortalecimento de grupos de convivência, visitas a lares de idosos, acompanhamento psicológico e espiritual são fundamentais para combater essas formas invisíveis de pobreza. Na prática, cada gesto de atenção pode ser um bálsamo para quem se sente esquecido.
Estamos em um ponto crítico. As novas formas de pobreza nos desafiam a repensar nossos valores, a reconstruir as redes de apoio e a garantir que ninguém seja deixado para trás. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência material, mas a preservação da humanidade em cada um de nós.
São Vicente de Paulo dizia que “o amor é inventivo até o infinito”. Inspirados por suas palavras, sejamos criativos em nossas ações e perseverantes na missão de combater a pobreza em todas as suas formas. Que este Dia Nacional de Combate à Pobreza seja uma oportunidade para olharmos ao nosso redor, enxergarmos as novas pobrezas e agirmos com amor para transformar vidas. Afinal, a luta contra a pobreza é, sobretudo, uma luta pela dignidade humana.
Ada Ferreira – Rede de Afeto – Conferência Santa Bernadete de Lourdes, Belo Horizonte/MG
Ricardo Fonseca – Conferência São Francisco de Assis, Arcos/MG