“A preocupação com o outro está inscrita no coração do homem”
Como podemos ajudar seu vizinho de maneira perene, eficiente e altruísta, se a vontade de fazer o bem nos guia, mas às vezes nos deparamos com os nossos próprios limites (cansaço, desânimo, enfoque narcisista?
Pode ser necessária uma releitura de nossa própria ação para voltarmos à fonte de nossos compromissos e reacendermos a chama de nossa motivação.
A seguir, entrevista com o psicólogo Jean-Guilhem Xerri, que aponta alguns caminhos de reflexão para nos ajudar. Terapeuta e psicanalista, Jean-Guilhem Xerri há muito se envolve com pessoas na rua. Autor de vários livros, recebeu o Prêmio Humanismo Cristão. Para a revista Ozanam França, ele explicou os motivos que nos levam a nos envolver, desde os determinismos culturais à antropologia cristã …
NUMA SOCIEDADE CADA VEZ MAIS INDIVIDUALISTA E CONSUMISTA, A NOÇÃO DE BEM COMUM AINDA TEM O SEU LUGAR?
Sim, claro, ainda mais porque nossa sociedade é atravessada por essas duas tendências. Muitos estão envolvidos e vocês, vicentinos, são um exemplo claro. A noção de bem comum tem o seu lugar, é preciso falar dela, afirmá-la e recordar a sua necessidade. É importante mostrar que nossa sociedade não é apenas consumista e individualista. O bem comum é uma realidade carregada e vivida por milhões de franceses, funcionários ou voluntários.
POR QUE ESTAMOS AJUDANDO?
As motivações são múltiplas: vai desde a necessidade de se sentir útil, mas também à necessidade de se sentir valorizado, de dar sentido à própria vida ou sentido a uma ação. Há determinismo cultural, ambientes nos quais podemos crescer e evoluir que nos voltam para o outro ou vice-versa, nos encerram em nós mesmos. Mas todas essas razões são apenas a variação operacional desse fundamento antropológico, que é que a preocupação com o outro está inscrita no coração do homem e isso, para além da confissão religiosa ou do compromisso político.
A tradição antropológica cristã nos revela que há no germe do coração humano algo da ordem do bem. Cultivamos, fazemos crescer, colocamos a serviço ou não. Cuide do homem, exercitando sua consciência e sua liberdade para ativar este germe.
A DOAÇÃO É REALMENTE GRATUITA?
Não tenho certeza se a doação puramente gratuita existe. Estamos comprometidos pelos motivos mencionados acima. Por outro lado, trata-se de deixar cada vez mais espaço para a gratuidade, que não é algo decretado, mas que se aprende à medida que o exercício da caridade avança. Muitas vezes eu ouço que grátis é não receber nada. Na verdade, é o oposto. Se eu olhar para a caridade desta forma, evito que a pessoa que está sendo ajudada me dê qualquer coisa, e isso é absolutamente violento. É a própria antítese do gesto de caridade. Devemos saber dar ao outro a possibilidade de uma troca, de reciprocidade. Para isso, é preciso ter clareza sobre os motivos não gratuitos que me levaram a estar no dom.
NÃO É INCOMUM UM VOLUNTÁRIO FICAR RESSENTIDO COM UM FUNCIONÁRIO POR SENTIR VONTADE DE “FAZER A MESMA COISA SEM RECEBER PAGAMENTO”. NESSE CASO ESPECÍFICO, ELE DEVE INTERROMPER O COMPROMISSO?
Gostaria de ampliar sua pergunta: Já ouvi funcionários que se ressentiam dos voluntários por se sentirem menos valorizados. Diz-se que os voluntários estão na beleza do gesto livre. Essa questão de ressentimento orientada em sua pergunta sobre reconhecimento e valorização pode, em última análise, preocupar a todos em seus diferentes lugares, funcionário ou voluntário.
Devemos parar por tudo isso? Não. Em primeiro lugar, você tem que assumir isso sem culpa, isso é muito humano. É uma coisa “encolher”: surge, acolhe e fala com alguém fora da organização ou mesmo dentro dela, para poder redefinir que na realidade não é. Eu que estou no dom. O que é útil é a organização com todos os seus funcionários, seus voluntários, sua força de ataque, todas as habilidades que eu sozinho nunca poderei reunir … Para mim, esse ressentimento deve ser colocado para mudar meu foco e questionar minhas expectativas de reconhecimento e reconhecimento. O verdadeiro assunto desse ressentimento, se estou me sentindo frustrado, é que ainda não me voltei para o outro.
QUAL É A DIFERENÇA ENTRE A CARIDADE CRISTÃ E O HUMANISMO SECULAR?
Pessoas que se dizem humanistas sem confessar a fé cristã, muitas vezes me edificam com sua dedicação e compromisso. O humanismo não denominacional trata de ajudar e apoiar os outros. A caridade cristã é ajudar os outros, apoiando-os, comunicando-lhes a vida de Deus de maneira consciente. O cristão sabe e sente que esta vida que procura sustentar é da mesma natureza que esta que passa por ele e que esta vida vem de Deus. Há algo que os cristãos têm e os outros não: esta graça que lhes foi dada da ordem do Apocalipse.
Revista Ozanam SSVP França