Não bastando as contradições que encontramos no convívio social do grande mundo e das relações com as pessoas com as quais convivemos no cotidiano, nossa vida espiritual também é permeada de dificuldades que, não raras vezes, passam despercebidas. Quase sempre temos a tendência em compreender as coisas sob a lógica do ou e temos dificuldade de pensar em termos de e. “Ou isso ou aquilo”, e quase nunca pensamos “isso e aquilo”. É assim que muitas vezes tomamos nossas atitudes. Somos altamente profissionais em polarizar nossas atitudes atribuindo as nossas escolhas conforme nossas prioridades.
Às vezes, também, fazemos apenas somas na tentativa de conciliação, em vez de trabalharmos para uma composição mais eficiente e harmoniosa. É como se colocássemos em um mesmo recipiente água e óleo: eles ficam juntos, mas não se misturam e não resultam em um componente unitário. Essa forma de compreender as coisas chama-se dualismo. E ele tem efeitos marcantes sobre a nossa compreensão da espiritualidade. Por isso, não raras vezes, a espiritualidade é confundida com um momento específico de nossa vida, com uma dimensão possível de ser isolada para ser desenvolvida com maior atenção e até com exclusividade.
Ocorre como se houvesse duas dimensões distintas, independentes e até opostas: uma espiritual e outra material. Ou não é verdade que, na nossa vida, muitas vezes se reduz espiritualidade a “retiros”, “louvores”, “adoração” etc.? Quantas vezes também já não ouvimos a frase “vamos esquecer o mundo para pensar em Deus”?
Longe dessa tendência é a Espiritualidade Vicentina. Vicente de Paulo não polarizou as ações. Para ele, o que prevaleceu foi a mística da ação, ou seja, ação e espiritualidade é uma única realidade. A seguir, um dos pensamentos mais acertados sobre esse tema: “Servimos com palavras e obras” (SVP – Coste XI 393).
Vicente de Paulo estava profundamente convencido que o dizer e fazer devem completar-se mutuamente. Sua regra para a evangelização efetiva é “primeiro fazer, depois ensinar”. Ele vê a pregação, o ensino e a promoção humana como complementos e integrantes do próprio processo de evangelização. Hoje, a unidade entre evangelização e promoção humana, tão importante no espírito de Vicente de Paulo, é um dos principais destaques na Doutrina Social da Igreja.
Evangelizar significa cuidar da “pessoa humana na sua totalidade”. A justiça no mundo, a ação a favor da justiça e a participação na transformação do mundo são elementos que fazem parte da pregação do Evangelho.
Padre Mizael Donizetti Poggioli (Congregação da Missão-CM)
Assessor espiritual do Conselho Metropolitano de São Paulo